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17 de Maio de 2024

Reflexões sobre o bloqueio do Whatsapp

Publicado por Schumacker Andrade
há 8 anos

Reflexes sobre o bloqueio do Whatsapp

A Justiça do Rio determinou o bloqueio do WhatsApp em todo o Brasil a partir desta terça-feira (19). Segundo a decisão, o Facebook, empresa responsável pelo aplicativo, se recusou, por três vezes, a fornecer informações para complementar uma investigação que segue em sigilo em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

De acordo com a decisão, a juíza Daniela Barbosa afirma que o pedido da Justiça era de que o aplicativo desviasse as mensagens para os investigadores antes de serem criptografadas, e não o acesso à mensagens antigas ou criptografadas.

O SindTeleBrasil, responsável pelas empresas de telefonia, afirmou que o bloqueio começou a ser feito no início da tarde de hoje. Em maio deste ano, uma determinação judicial decidiu pela suspensão do aplicativo por 72 horas. Na ocasião, a empresa recorreu da decisão e o app voltou a funcionar após cerca de um dia.

Segundo a magistrada, a empresa se limitou a responder em inglês que não cumpre a decisão da Justiça por impossibilidade técnica, mas ao mesmo tempo, pediu para ter acesso aos autos da investigação.

A determinação diz ainda que as empresas de telefonia do país já foram notificadas e que a suspensão do serviço deverá ser imediata. A suspensão deve permanecer enquanto o WhatsApp não fornecer as informações para a Justiça fluminense. A multa para o descumprimento da decisão é de R$ 50 mil por dia, até que a empresa cumpra a medida de interceptação das mensagens solicitadas.

- VAMOS ANALISAR!

De início quero deixar claro que a decisão ao meu ver é totalmente desproporcional e assim como eu, você provavelmente também foi pego de surpresa com o bloqueio, já é o segundo bloqueio em menos de um ano. Sem mais delongas passo a analisar a pauta sob a ótica jurídica por meio de um raciocínio lógico, sério e desapaixonado.

- O bloqueio do Whatsapp é legal?

O Marco Civil da Internet, aprovado pela Lei n. 12.965/2014, estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Esta lei é aplicável aos provedores de acesso à internet (empresas de telecomunicações) e os provedores de aplicativos de internet (como é o caso do WhatsApp, que oferece um serviço de troca de mensagens conhecido como OTT - Over the Top).

Pois bem, a Lei n. 12.965/2014 trata da proteção aos registros, aos dados pessoais e comunicações privadas. Assim, o provedor responsável pela guarda de dados pessoais e comunicações pode ser obrigado a disponibilizar os registros de conexão e de acesso a aplicações de internet para identificação do usuário ou terminal, mediante ordem judicial, conforme dispõe o art. 10, § 1º. O conteúdo das comunicações privadas somente pode ser disponibilizado mediante ordem judicial nas hipóteses legais. Ou seja, são garantidas a inviolabilidade e o sigilo do fluxo das comunicações pela internet, bem como a inviolabilidade e sigilo das comunicações privadas armazenadas, excetuada a hipótese do afastamento da inviolabilidade por ordem judicial, conforme determina o art. , incs. II e III, da referida lei n. 12.965/2014.

O art. 11 do Marco Civil da Internet prevê que em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que, pelo menos, um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e do registros. Esta regra legal aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.

Também, a regra aplica-se as atividades realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos um integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.

O Marco Civil da Internet, no art. 12, ao tratar da proteção aos registros, aos dados pessoais e às comunicações privadas, estabelece que, sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções aplicadas de forma isolada ou cumulativa: advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas, multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11 ou proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11. Além disto, caso se trate de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento de multa a sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País.

Aqui, o ponto central da questão jurídica. O Marco Civil da Internet em seu art. 12, incs. III e IV, admite como sanções a suspensão temporária das atividades das empresas que ofertam aplicações de internet e a proibição de exercício das atividades destas empresas. Mas, estas sanções de suspensão temporária e proibições previstas no Marco Civil da Internet são aplicáveis somente na hipótese das operações de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet. Ou seja, somente na hipótese de grave descumprimento de legislação brasileira de proteção aos direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros é que seria possível a aplicação das sanções de suspensão temporária e proibição das atividades em território nacional. A finalidade da norma legal é - registre-se - evidentemente a proteção dos direitos fundamentais à privacidade, proteção dados pessoais e sigilo das comunicações.

Para aplicar estas sanções gravíssimas do Marco Civil da Internet em relação às empresas privadas, é necessária que a infração esteja devidamente caracterizada. Daí porque, ao que parece, o descumprimento de ordem judicial no processo criminal pela empresa WhatsApp não é por si só fundamento suficiente para aplicar a sanção da suspensão temporária das atividades conforme prevê o inc. III, do art. 12, do Marco Civil da Internet. Além deste dispositivo legal, não há nenhum outro fundamento que autorize a prática da suspensão temporária dos aplicativos de internet.

Com o devido respeito, a medida judicial de suspensão das atividades do WhatsApp quebra o princípio da proporcionalidade e razoabilidade. A decisão judicial ainda causa lesão a milhões de consumidores brasileiros, prejudicando o direito fundamental à comunicação das pessoas. Segundo informações de sites, no Brasil há mais de 100 (cem) milhões de brasileiros usuários do aplicativo WhatsApp. Não é admissível que a decisão em procedimento judicial imponha ônus a pessoas que não estão ligadas à investigação criminal.

Além disto, especificamente, o Marco Civil da Internet ao tratar da guarda de registros de acesso a aplicações de internet na provisão de aplicações prevê que a autoridade policial ou administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente a qualquer provedor de aplicações de internet que os registros de acesso à aplicações de internet sejam guardados, inclusive por prazo superior a seis meses, mas o requerimento deve ser precedido de autorização judicial, conforme dispõe art. 15, § 1º, § 2º e § 3º. Ou seja, é da responsabilidade do provedor de aplicações de internet a guarda dos dados pessoais, em prazo superior ao estabelecido em lei, desde que requerido pela autoridade judicial, a pedido da autoridade policial ou Ministério Público. Evidentemente que eventual descumprimento deste dispositivo legal não ocasiona a suspensão temporária dos aplicativos para todos os usuários.

Enfim, é dever da empresa que faça oferta aplicativos no território brasileiro colaborar com a Justiça, atendendo os requerimentos devidamente fundamentados juridicamente, conforme a legislação, na hipótese de quebra por ordem judicial do direito à inviolabilidade e sigilo das comunicações pela internet e as comunicação privadas armazenadas. Eventualmente, questões técnicas podem justificar o não cumprimento de decisão judicial, algo a ser explicado à Justiça. Boas práticas empresariais recomendam a lealidade e boa-fé no atendimento à ordens judiciais.

Ressalte-se que a hipótese de descumprimento de ordem judicial configura crime desobediência, conforme prevê o art. 330 do Código Penal.

Em síntese, com base no Marco Civil da Internet, não é possível aplicar a gravíssima sanção da suspensão temporária da atividade da empresa que fornece o aplicativo WhatsApp, eis que não razoável e proporcional à conduta de descumprimento à ordem judicial.

A medida judicial imposta causa lesão ao direito fundamental à comunicação de mais 100 (cem) milhões de brasileiros. Não é admissível que um caso individual, que relevante sob a ótica da investigação criminal, prejudique milhões de pessoas.

Enfim, a jurisdição brasileira deve agir prontamente para restaurar a adequada interpretação do princípio constitucional da razoabilidade e da legislação aplicável ao caso. Ao final, espera-se o julgamento do mérito do caso com análise atenta e profunda do Marco Civil da Internet. De uma forma ou de outra, a Justiça prevalecerá.


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20 Comentários

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Não gosto quando o aplicativo é bloqueado, mas entendo os motivos e os considero justos. Se o whatsapp quer funcionar no Brasil, tem que se submeter as nossas leis e ponto final, ou aceita ou vai embora. Sempre que a justiça quebra o sigilo de alguma conversa eles se recusam a atender e só atendem depois do bloqueio. continuar lendo

Olá Raiane obrigado por suas contribuições! Continue de olho em meus artigos! :) continuar lendo

Não é o caso. O WhatsApp não atende a ordem judicial nem depois do bloqueio. E não atende simplesmente porque não é possível, por dois bons motivos:
a) Para segurança dos usuários, as comunicações são criptografadas pontaaponta, ou seja, somente o emissor e o destinatário podem decifrá-las.
b) A empresa não guarda o conteúdo das mensagens e o Marco Civil da Internet estabelece que os provedores devem guardar os dados de acesso e não os dados de conteúdo, que são coisas bem diferentes. Faça uma analogia com os Correios: você acha razoável que os Correios abram todas as correspondências, façam fotocópias e mantenham elas armazenadas para entregá-las à justiça se necessário? continuar lendo

Toda empresa multinacional que se estabelece no país deve seguir as leis e diretrizes impostas pelo país, deste modo, é impensável que um aplicativo interrompa ou barre investigação policial por que suas "políticas" impedem. É louvável que uma empresa se preocupe com nossa segurança e privacidade mas, esse fim honrável não pode jamais bater de frente com uma decisão judicial. Vivemos num Estado de Direito e, a manutenção do Direito requer que essas decisões sejam acatadas, sendo assim, necessário que o Whatsapp dê um jeito de fornecer a quebra do sigilo quando requisitado pela justiça, seja quebrando a criptografia ou retirando a mesma de seus sistemas. De uma forma ou de outra, a Justiça deve prevalecer.
Um meio de comunicação como esse deve ser usado pelo seu fim real, promover a integração e o contato entre pessoas. Jamais para cometer crimes. continuar lendo

Bom dia Raiane,
Concordo plenamente com o que você disse, se a empresa não se submeter as nossas leis, não deveria estar aqui e seus serviços não deveriam ser utilizados, brilhante observação.
O ponto que eu gostaria que você revisse é simplesmente se realmente eles descumpriram algo da lei, como disse o amigo Carlos Voltolini Neto acima.
Por favor, caso eu não tenha visto (sou leigo e desinformado), em qual local da lei eles obrigam as empresas a salvar os dados transmitidos?
Ao meu ver, a única obrigação que solicitam é informações sobre acessos e dispositivos utilizados, quanto aos dados, quando estes existem, que sejam quebrado o sigilo.
Acredito que, grande parte deste problema e desta falha esteja simplesmente relacionada à forma que são adquiridos linhas telefônicas (visto que, o vínculo do whatsapp é única e exclusiva com o telefone do usuário), então, teriam que mudar a forma do vínculo...
Mas é apenas mais especulação rs... continuar lendo

Olá Carlos Martins o autor do artigo esclareceu este ponto no trecho abaixo onde ele informa que o provedor de serviços de acordo com o marco civil tem que guardar os dados por pelo menos 6 meses.

Observe o trecho do texto:

"Além disto, especificamente, o Marco Civil da Internet ao tratar da guarda de registros de acesso a aplicações de internet na provisão de aplicações prevê que a autoridade policial ou administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente a qualquer provedor de aplicações de internet que os registros de acesso à aplicações de internet sejam guardados, inclusive por prazo superior a seis meses, mas o requerimento deve ser precedido de autorização judicial, conforme dispõe art. 15, § 1º, § 2º e § 3º. Ou seja, é da responsabilidade do provedor de aplicações de internet a guarda dos dados pessoais, em prazo superior ao estabelecido em lei, desde que requerido pela autoridade judicial, a pedido da autoridade policial ou Ministério Público. Evidentemente que eventual descumprimento deste dispositivo legal não ocasiona a suspensão temporária dos aplicativos para todos os usuários."

Muito embora gostaria que o Schumacker se pronuncie sobre a analogia feita no comentário anterior acho que não seria o caso pois no caso dos correios a legislação aplicável ao caso é diferente. continuar lendo

Palhaçada! Virou moda, só pode!
Pessoas que não tem nada a ver com isso serão prejudicadas. continuar lendo

Realmente a medida foi desproporcional...pois ofende a liberdade de expressão... obrigado por suas contribuições! Continue de olho em meus artigos! :) continuar lendo

Excelente artigo. continuar lendo

Obrigado Anderson! Continue de olho em meus artigos! :) continuar lendo

Do jeito que as coisas vão caminhando teremos que nos comunicar por sinal de fumaça novamente....triste realidade.... continuar lendo

Realmente a medida foi desproporcional... Obrigado por suas contribuições! Continue de Olho em meus artigos! :) continuar lendo